Ministro de Lula forneceu dados falsos sobre voos de helicóptero à Justiça Eleitoral
Foto: Câmara dos Deputados/Divulgação.
O ministro das Comunicações do governo Lula (PT), Juscelino
Filho, apresentou à Justiça Eleitoral informações falsas para pagar com
dinheiro público 23 supostas viagens de helicóptero feitas durante sua campanha
a deputado federal, no ano passado. Ao prestar contas, Juscelino informou que
todos os voos foram feitos por “três cabos eleitorais”. O Estadão identificou,
porém, que os nomes apresentados por ele são de um casal e de uma filha de dez
anos, que moram em São Paulo. A família disse não conhecer o político.
Com a lista falsa de passageiros, o ministro justificou o
pagamento de R$ 385 mil do Fundo Eleitoral para sua campanha. Citados na
planilha que Juscelino entregou à Justiça Eleitoral do Maranhão, o empresário
Daniel Pinheiro de Andrade e sua mulher, Angela Camargo Alonso, de São Paulo,
que afirmaram atuar no ramo de decoração, negaram ter relação com a campanha do
então deputado do União Brasil.
“Isso aí está errado, provavelmente é uma fraude. Não tenho
nenhuma ligação com campanha nem com político no Maranhão (…) Usaram meu nome,
da minha família, da minha filha”
Daniel Andrade, empresário
Andrade disse ao Estadão que voou há cinco meses com a Rotorfly
Táxi Aéreo – a mesma empresa usada por Juscelino –, mas da cidade de São Paulo
para Campos do Jordão. “Não tem nada a ver com o Maranhão”, insistiu o
empresário. “Provavelmente, usaram meu nome e puseram na comprovação de
despesas. Eles pegaram a lista de passageiros do voo que eu voei e replicaram.”
Os documentos sobre a contratação da Rotorfly Táxi Aéreo, que
listam os nomes dos passageiros, foram enviados à Justiça Eleitoral pelo
ministro em formulário fora do padrão, com rasuras e misturando informações
digitadas e escritas a mão. Os planos de voo indicam registros de sobrevoo em
que as cidades de origem e destino são as mesmas.
‘Cabos Eleitorais’
Os dados foram apresentados a partir de questionamento da
Justiça Eleitoral, que desconfiou do vínculo dos passageiros com o comitê de
Juscelino. “Todos os voos foram feitos em prol da campanha eleitoral, bem como
todas as pessoas que constam nos relatórios prestaram serviços diretamente à
campanha”, assinalou a defesa do ministro na prestação de contas.
Juscelino disse à Justiça Eleitoral que a família Andrade fez as
23 viagens pelo Maranhão durante 16 dias, entre agosto e setembro do ano
passado. O casal e a filha teriam passado por 14 cidades diferentes. Segundo o
ministro, entre os destinos dos seus três “cabos eleitorais” está a Fazenda
Alegria, uma de suas propriedades em Vitorino Freire (MA).
O Estadão revelou que o ministro direcionou R$ 5 milhões do
orçamento secreto para construção de uma estrada que corta fazendas da família.
Em uma delas, Juscelino tem uma pista de pouso e um heliponto particulares.
Juscelino declara ter um avião Seneca V, mas não registrou o uso da aeronave na
campanha. Indicado pelo Centrão ao cargo, o ministro admitiu o uso de orçamento
secreto na estrada.
Para a advogada Juliana Bertholdi, especialista em Direito
Eleitoral, em casos de inserção de informações falsas em prestações de contas
tem-se, “potencialmente”, o crime de falsidade ideológica eleitoral. “O crime
possui pena de reclusão de até cinco anos quando consideramos que, não raro, a
inserção envolve potencial caixa 2. A depender da espécie de informação
falsamente inserida (caso envolva informações que afetem a idoneidade da
prestação de contas), pode-se considerar ainda consequências eleitorais, como
perda de mandato.”
Fundão Eleitoral
A transferência de R$ 385 mil da campanha de Juscelino para a
Rotorfly, provenientes do Fundo Eleitoral, consta do extrato bancário da
prestação de contas disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O
pagamento, feito em 18 de agosto do ano passado, foi o primeiro gasto do então
candidato na corrida eleitoral. Ele pagou R$ 11 mil a hora do voo. Como
comparação, o valor é mais do que o dobro acertado pelo diretório do União
Brasil de Alagoas com a mesma empresa de táxi aéreo. A direção alagoana do
partido pagou R$ 400 mil à Rotorfly, sendo R$ 5 mil a hora-voo.
O Fundo Eleitoral foi aprovado pelo Congresso em 2017 como forma
de compensação pelo fim do financiamento de empresas para campanhas, proibido
pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Os recursos saem do Orçamento da União. Em
2022, o valor distribuído aos partidos foi de R$ 4,9 bilhões. Por lei, todos os
gastos precisam ter relação com a campanha, ser justificados e declarados à
Justiça Eleitoral.
O União Brasil repassou à campanha de Juscelino a deputado, no
ano passado, R$ 2,4 milhões. Ele informou ao TSE que o gasto total da sua
campanha somou R$ 2,8 milhões.
Outro lado
O ministro Juscelino Filho não se manifestou sobre o motivo de
ter apresentado à Justiça Eleitoral passageiros de São Paulo como integrantes
de sua equipe de campanha, incluindo uma criança. Também não comentou as
declarações de Daniel Pinheiro de Andrade, que reclama ter tido o nome usado
pela campanha do político do Maranhão.
A empresa de helicópteros Rotorfly Táxi Aéreo, contratada por
Juscelino, argumentou que um erro em seus sistemas gerou o problema, e por isso
o nome da família de apareceu diversas vezes nos relatórios.
O dono da empresa, Rodrigo Massucatto Braga, declarou que um
documento corrigido foi enviado aos advogados de Juscelino Filho.
“Teve um erro sistêmico, no nosso sistema, que acabou
preenchendo errado. Mas tem a lista de passageiros correta já protocolada. Se
não protocolou, já está lá com o pessoal do deputado Juscelino”, disse.
Primeiro, ele se dispôs a apresentar os novos documentos à
reportagem, mas depois mudou de ideia. Segundo o empresário, a segunda lista
teria sido enviada em 2 de dezembro para os advogados de Juscelino. Na de
prestação de contas, porém, consta uma única relação de passageiros para os
meses de agosto, setembro e outubro.
Em 12 de dezembro, a defesa do ministro apresentou as alegações
finais antes do julgamento do processo de prestação de contas. No documento,
mencionou somente uma lista de passageiros, protocolada ainda em 18 de
novembro. Os registros citados são os mesmos que contêm a família de Daniel
Pinheiro de Almeida.
No dia 13 de dezembro foi publicado o acórdão do tribunal que
deu as contas do então candidato aprovadas com ressalvas. Mesmo assim, em 16 de
dezembro, o Ministério Público Eleitoral recorreu da decisão final. Insistiu
que não houve comprovação do vínculo entre os passageiros e a campanha.
“Foram realizadas despesas com transporte ou deslocamento no
valor de R$ 385 mil, com o fornecedor Rotorfly Táxi Aéreo, sem a descrição da
vinculação, formal ou informal, de cada passageiro ou passageira, com a
campanha eleitoral do candidato”, alegou o órgão ministerial.
O último documento protocolado pelo ministro ao TRE-MA é de
sexta-feira, 27. Os advogados argumentam não caber mais um recurso do
Ministério Público e que não há erros na prestação de contas.
Com informações do Estadão.
Comentários
Postar um comentário