O governo Jair Bolsonaro (sem partido) não inseriu no SUS nenhum dos seis tratamentos medicamentosos para a Covid-19 aprovados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Para evitar um duro golpe na bandeira negacionista
do presidente, o Ministério da Saúde ainda tenta evitar a derrubada de
orientações pró-“kit Covid”.
Os debates se concentram na Conitec (Comissão
Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde), órgão
consultivo do ministério para a análise de novas terapias e definição de
protocolos da rede pública.
No dia 21, o colegiado teve empate em votação sobre
parecer que contraindica o uso de hidroxicloroquina, entre outros fármacos sem
eficácia para a Covid, no tratamento ambulatorial.
Em reuniões anteriores, a Conitec recusou a
inclusão no SUS de três dos novos tratamentos da Covid: o rendesivir e as
associações de casirivimabe com imdevimabe (Regen-Cov 2) e de banlanivimabe com
etesevimabe.
Os efeitos desses medicamentos são limitados e as
drogas têm alto custo. Por isso, gestores do SUS e especialistas se dividem
sobre o benefício de incluir os produtos na rede pública.
Fora do SUS, ao menos três dos novos fármacos são
usados no Brasil por pacientes com planos de saúde e em hospitais privados.
A primeira autorização de uso de medicamentos para
Covid foi dada pela agência em março de 2021 ao rendesivir. O antiviral, que ganhou
registro definitivo da Anvisa, pode encurtar a recuperação do paciente.
A Conitec estimou um impacto orçamentário entre R$
27,6 bilhões e R$ 50 bilhões em cinco anos com o produto no SUS. Já a
fabricante Gilead calculou economia ao governo de R$ 339 milhões a R$ 645
milhões com uso do rendesivir.
Outros produtos ganharam aval de uso emergencial.
Em nota, a Anvisa afirma que este tipo de autorização mira “preferencialmente o
uso em programas de saúde pública do Ministério da Saúde”.
Para Adriano Massuda, médico, professor da Fundação
Getulio Vargas (FGV) e ex-secretário-executivo da Saúde, é “lógico e natural”
que o governo busque uma forma de inserir novos tratamentos para Covid-19 no
SUS.
Ele lembrou que a Saúde conseguiu forte redução de
preços de tratamentos de hepatite C após negociação com a indústria. O preço de
um dos medicamentos usados para esta doença, o sofosbuvir, caiu de R$ 252 para
R$ 32 por unidade entre 2015 e 2019.
“Se você tem tecnologia que pode reduzir estes
números da pandemia, sem dúvida deve ser buscada forma de incorporação”, afirma
Massuda.
O médico e vice-presidente da Abrasco (Associação
Brasileira de Saúde Coletiva), Reinaldo
Guimarães, avalia que ainda não há medicamentos
para Covid-19 aprovados no Brasil com poder terapêutico e custo-efetividade que
justifiquem a incorporação ao SUS.
“A estratégia está centrada na vacina, o que é
correto”, afirma Guimarães. Ele foi chefe da SCTIE (Secretaria de Ciência,
Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde).
Um dos caminhos para facilitar a entrada de
produtos no SUS é firmar parceria entre laboratórios públicos e privados.
A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) negocia produzir
o antiviral molnupiravir, desenvolvido pela farmacêutica MSD e usado nos
primeiros dias de sintomas. O produto ainda não tem aval da Anvisa.
Para Massuda, o Ministério da Saúde abandonou a
liderança destas negociações com a indústria e está disfuncional.
“Para construir políticas com a indústria, redução
de preços, é preciso ter um grau de confiança no Estado brasileiro, e o
desmantelamento das instituições mina essa credibilidade”, diz o pesquisador.
As discussões da Conitec ganharam projeção por
tentativas do governo Bolsonaro de boicotar parecer que contraindica o “kit
Covid”.
A comissão já aprovou barrar este tratamento a
pacientes internados. O parecer está pronto desde junho, mas até agora o
Ministério da Saúde não publicou no Diário Oficial a norma.
A recomendação contrária aos medicamentos sem
eficácia a casos leves tem mais resistência na comissão. Cinco dos sete
representantes do ministério no órgão votaram para não aprovar o parecer no dia
21, em reunião que terminou empatada.
“Esses medicamentos, usados isoladamente ou a
associação de hidroxicloroquina com azitromicina, não trouxeram benefício para
os pacientes. Por isso, nós não recomendamos o uso na fase pré-hospitalar
baseado em estudos científicos feitos em várias partes do mundo”, afirma Carlos
Carvalho, médico e coordenador do grupo de especialistas que elaborou os
pareceres da Conitec sobre tratamento da Covid.
Carvalho diz que já cobrou do ministro da Saúde,
Marcelo Queiroga, a publicação do protocolo sobre tratamento hospitalar da
pandemia, já aprovado na comissão.
“Ele ficou de falar com o Hélio Angotti [secretário
de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos] sobre a publicação. E
disse que seria feita”, diz o médico.
Procurado, o ministério afirma que as diretrizes
sobre tratamento ambulatorial da Covid serão levadas para consulta pública. A
pasta não se manifestou sobre os outros tratamentos.
A CPI da Covid aprovou, no parecer final, acionar o
TCU (Tribunal de Contas da União) para anular a reunião que terminou com
empate. Ainda pede para o órgão fiscalizar a Conitec “com o objetivo de
verificar a atuação dessa comissão e a indevida influência política”.
Está entre as funções da Conitec aprovar
recomendações sobre PCDTs (Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas) ao
SUS, que podem ser acatadas ou não pelo ministério.
O documento baliza inclusive as compras públicas e
órgãos de fiscalização. Ou seja, um PCDT que barra o uso do “kit Covid” daria
margem para questionar gestores que ainda investem nesses medicamentos.
Em maio de 2020, a Saúde editou uma nota com
estímulo ao uso do “kit Covid”, mas o documento não é um protocolo do SUS. Para
gestores da rede pública, a medida foi uma forma, à época, de promover o
tratamento ineficaz sem ter de passar pela Conitec.
Ainda fora do SUS, alguns dos medicamentos já
aprovados pela Anvisa para Covid estão em uso na rede privada. O regdanvimabe
foi usado em pacientes de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Distrito
Federal, segundo o fabricante Celltrion Healthcare.
Parte dos pacientes bancou do próprio bolso o
tratamento. Em outros casos, os planos avaliam a cobertura. Cada ampola deste
produto custa R$ 3.500 no Brasil. Uma pessoa com cerca de 70 kg utilizaria 3
ampolas.
Já o rendesivir está disponível em 103 hospitais
privados do país. O reembolso do rendesivir no mercado privado está assegurado
pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), segundo a fabricante Gilead.
“A maioria dos pacientes fará um curso de
tratamento de cinco dias com rendesivir. Em países desenvolvidos, o preço do
governo para um curso de tratamento de cinco dias é de US$ 2.340”, disse a
Gilead.
Já o Regen-Cov2 não está sendo usado no país, diz a
fabricante Roche. Nos Estados Unidos ele sai por US$ 2.000, cerca de R$ 11.850.
O laboratório Eli Lilly é responsável por dois
medicamentos aprovados pela Anvisa: a combinação dos anticorpos monoclonais bamlanivimabe
e etesevimabe e também do baricitinibe. Somente o último é usado no Brasil.
A GSK afirma que o Sotrovimabe também não está em
uso no Brasil, apesar do aval da Anvisa.
MEDICAMENTOS APROVADOS PELA ANVISA PARA A COVID
Agência deu aval para uso de 6 tratamentos contra
Covid no Brasil; fora do SUS, parte dos fármacos é usada na rede privada
Rendesevir
Antiviral injetável que impede a replicação do
vírus, diminuindo o processo de infecção. Pode encurtar a recuperação do
paciente. Indicado para uso hospitalar de pessoas de 12 anos ou mais que
apresentam pneumonia e precisam de suporte de oxigênio, mas que não estejam sob
ventilação artificial. Produto ganhou registro definitivo da Anvisa
Casirivimabe e imdevimabe (Regen-Cov 2)
Associação de anticorpos monoclonais, administrados
em dose única por infusão intravenosa que deve ser feita no hospital, em
pessoas com mais de 12 anos ou mais. Pode ajudar o corpo a superar a infecção
viral ao impedir o vírus de entrar e infectar a célula. Usado em quadros leves
e moderados de pessoas que têm alto risco de progredir para forma grave da
doença, como idosos ou pacientes de doenças crônicas. Não há aval para uso em
pacientes internados ou que necessitam de suporte respiratório. Produto tem
autorização de uso emergencial
Banlanivimabe e etesevimab
Associação de anticorpos monoclonais, administrados
em dose única por infusão intravenosa que deve ser feita no hospital, em
pessoas com mais de 12 anos. Os fármacos tentam neutralizar moléculas estranhas
ao organismo. Indicado para formas leve a moderada para pacientes que
apresentam alto risco de progressão da doença. Não há aval para uso em
pacientes internados ou que necessitem de suporte para respirar. Produto tem
autorização de uso emergencial
Regkirona (regdanvimabe)
Anticorpo monoclonal indicado para adultos que não
usam suplementação de oxigênio. Produto injetável e aplicado em hospitais, pode
ajudar o corpo a resistir à infecção pelo vírus e prevenir o agravamento da
doença. O medicamento impede que o vírus entre nas células humanas. Produto tem
autorização de uso emergencial
Sotrovimabe
Anticorpo monoclonal indicado para caso leve a
moderada em pacientes adultos e adolescentes com 12 anos ou mais, que estão em
risco de progressão para o estágio grave da doença. Ele atua contra a proteína
spike do Sars-CoV-2 e é projetado para bloquear a ligação do vírus e a sua
entrada nas células humanas. Produto tem autorização de uso emergencial
Baricitinibe
Medicamento já usado para artrite reumatoide e dermatite atópica
moderada a grave. Indicado para pacientes adultos hospitalizados com quadro
grave de Covid, que necessitam de suporte de oxigênio por máscara, cateter
nasal ou ventilação mecânica. Anvisa aprovou mudança no registro da droga para
incluir na bula a indicação para Covid.
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